Não me Sinto Só


Não me sinto só nesta apatia das palavras. 
Nesta ausência de inspiração constante e colectiva. 
Nesta languidez que me entorpece o corpo e me adormece a mente. 
Não me sinto só nesta ânsia de respirar livremente a frescura dos dias, 
sem que o nó que me sufoca, me sufoque. 
Sinto-me parte integrante de uma multidão de espíritos cansados e oprimidos, 
vencidos pelo seu próprio medo e revolta. 
Não me sinto sozinha, mas oxalá estivesse. 
Oxalá a maioria de nós conseguisse vencer esta letargia.


Texto deSofia Azevedo (um pseudónimo de mim)

O Tempo Não Pára




Eu sei
Que a vida tem pressa
Que tudo aconteça
Sem que a gente peça
Eu sei

Eu sei
Que o tempo não pára
O tempo é coisa rara
E a gente só repara
Quando ele já passou

Não sei se andei depressa demais
Mas sei, que algum sorriso eu perdi
Vou pedir ao tempo que me dê mais tempo
Para olhar para ti
De agora em diante, não serei distante
Eu vou estar aqui

Cantei
Cantei a saudade
Da minha cidade
E até com vaidade
Cantei
Andei pelo mundo fora
E não via a hora
De voltar p'ra ti

Não sei se andei depressa demais
Mas sei, que algum sorriso eu perdi
Vou pedir ao tempo que me dê mais tempo
Para olhar para ti
De agora em diante, não serei distante
Eu vou estar aqui


(Miguel Gameiro)

Julgamento de Valores


Um casal mudou-se para um novo bairro. Na manhã do dia seguinte, enquanto tomavam o café da manhã, a mulher olhou pela janela e viu a sua vizinha a estender a roupa. Imediatamente ela comentou com o marido: “As roupas não estão limpas, os nossos vizinhos não sabem lavar a roupa, quem sabe eles não precisam de um sabão melhor.”
Durante um mês eles comentaram sobre as roupas sujas dos vizinhos. Até que um dia a mulher olhou pela janela e viu a sua vizinha estender as roupas impecavelmente limpas.
Então ela disse ao marido: “Os nossos vizinhos finalmente aprenderam a lavar a roupa, vê como estão limpas! Quem será que os ensinou?”
O marido respondeu: “Minha querida, na verdade fui eu que acordei mais cedo hoje e limpei a nossa janela.”
Assim é a vida: Aquilo que vemos quando olhamos os outros depende de quão limpas estejam as janelas através das quais olhamos. Antes de criticar e procurar algo nos outros para julgar, quem sabe não seja melhor perguntar se não estamos prontos para um novo olhar.

Roubado do FACEBOOK. Desconheço o autor.

Simples assim...



"Como uma criança antes de a ensinarem a ser grande, 
Fui verdadeiro e leal ao que vi e ouvi."

Alberto Caeiro, in "Fragmentos" 

Voar com as Aves

Este poema foi-me apresentado pelo meu filho que completa hoje 14 anos. Li-o de olhar humedecido mas com um sorriso na alma. Ver um filho crescer e lentamente ganhar as suas próprias asas, acorda-nos para o outro lado do maravilhoso mundo que é ser mãe. O lado em que vê-los voar é tão belo quanto vê-los crescer, porque sim, o voo é inevitável.


POEMA À MÃE

No mais fundo de ti, eu sei que traí, mãe.
Tudo porque já não sou o menino adormecido no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram, que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -
às vezes ainda sou o menino que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração rosas tão brancas como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa no meio de um laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme, e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura, dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade in «Os Amantes Sem Dinheiro» (1950)

Sensibilidade [a minha]


Intrigam-me, num sentido literal e quase assustador, as pessoas que não se deslumbram com uma simples flor do campo, com uma folha de Outono ou com uma mera gota de chuva. Intrigam-me as pessoas que não se emocionam com um filme, com um livro, ou simplesmente com um anúncio de televisão. As pessoas que não se sensibilizam com a doçura dos animais ou com a inocência das crianças. Entristece-me descobrir que cada vez mais estou rodeada de pessoas que não param para apreciar o céu ou ouvir o vento. Tenho consciência que não somos todos iguais, nem tão pouco temos que gostar das mesmas coisas. Aliás, nem poderia ser assim, o mundo tombaria num instante. Mas confesso que por vezes me sinto um pouco incompreendida no meu "excesso" de sensibilidade, e talvez por isso me esforce por tentar compreender e aceitar a falta dela nos outros. Tenho de o fazer, mas quando não consigo, apoio-me na ideia de que nos compensamos mutuamente com a partilha de opiniões e a troca de emoções. A minha sensibilidade é a minha força e não peço desculpa por isso, porque no fim, o que realmente importa é o que nos faz sorrir e o que nos aquece o coração. Se há quem prefira não sentir os pequenos e simples detalhes da vida, é uma opção à qual tem todo o direito.

Helga Piçarra

É Urgente Sermos Mais HUMANOS


Abram os olhos. Somos umas bestas. No mau sentido. Somos primitivos. Somos primários. Por nossa causa corre um oceano de sangue todos os dias. Não é auscultando todos os nossos instintos ou encorajando a nossa natureza biológica a manifestar-se que conseguiremos afastar-nos da crueza da nossa condição. É lendo Platão. E construindo pontes suspensas. É tendo insónias. É desenvolvendo paranóias, conceitos filosóficos, poemas, desequilíbrios neuroquímicos insanáveis, frisos de portas, birras de amor, grafismos, sistemas políticos, receitas de bacalhau, pormenores. 

É engraçado como cada época se foi considerando «de charneira» ao longo da história. A pretensão de se ser definitivo, a arrogância de ser «o último», a vaidade de se ser futuro é, há milénios, a mesmíssima cantiga. Temos de ser mais humanos. Reconhecer que somos as bestas que somos e arrependermo-nos disso. Temos de nos reduzir à nossa miserável insensibilidade, à pobreza dos nossos meios de entendimento e explicação, à brutalidade imperdoável dos nossos actos. O nosso pé foge-nos para o chinelo porque ainda não se acostumou a prender-se aos troncos das árvores, quanto mais habituar-se a usar sapato. 

A única atitude verdadeiramente civilizada é a fraqueza, a curiosidade, o desespero, a experiência, o amor desinteressado, a ansiedade artística, a sensação de vazio, a fé em Deus, o sentimento de impotência, o sentir-mo-nos pequeninos, a confissão da ignorância, o susto da solidão, a esperança nos outros, o respeito pelo tempo e a bênção que é uma pessoa sentir-se perdida e poder andar às aranhas, à procura daquela ideia, daquela casa, daquela pessoa que já sabe de antemão que nunca há-de encontrar. O progresso é uma parvoíce. Pelo menos enquanto continuarmos a ser os animais que somos. 

Miguel Esteves Cardoso, in 'Explicações de Português'

Decisões


Admiro as pessoas que assumem sem receio o controlo da sua própria vida. Pessoas que confiam nas suas próprias decisões. Tomar a decisão certa no momento certo, pode mudar uma série de acontecimentos que aconteceriam de uma outra forma apenas por se tomar a decisão errada. Mas como saber o que é certo ou errado num determinado momento? Como escolher as palavras e as acções que poderão determinar o nosso presente e influenciar o nosso futuro? Muitos diriam que por instinto. Talvez sim, talvez não. Há pessoas que arriscam mesmo quando sabem que as hipóteses de falhar são maiores do que as hipóteses de acertar. Afinal de contas falhar é nada mais que a oportunidade de fazer de novo, mas melhor. Quem não arrisca não erra e quem não erra não aprende. Somos um ciclo interminável de opções e possibilidades. Na verdade saber escolher o momento certo é um talento que todos possuímos, porém apenas alguns de nós têm a capacidade de usufruir do direito à opção de escolha sem recear as suas consequências. Serei eu uma dessas pessoas? Gosto de pensar que estou no caminho certo para fazer as escolhas que me darão a oportunidade de continuar a aprender com os meus erros. Acima de tudo quero assumir o controlo da minha vida e determinar o meu presente sem temer as consequências do meu futuro. E tu? Confias nas tuas próprias decisões?

Helga Piçarra

A Mulher


Ó Mulher! Como és fraca e como és forte
Como sabes ser doce e desgraçada
Como sabes fingir quando em teu peito
A tua alma se estorce amargurada

Quantas morrem saudosa duma imagem
 Adorada que amaram doidamente
Quantas e quantas almas endoidecem
Enquanto a boca rir alegremente

Quanta paixão e amor às vezes têm
Sem nunca o confessarem a ninguém
Doce alma de dor e sofrimento
Paixão que faria a felicidade dum rei
Amor de sonho e de saudade
 Que se esvai e que foge num lamento

Florbela Espanca 

Do Virtual ao Real


Hoje publico aqui algo um pouco fora do âmbito habitual, mas não podia deixar de partilhar este acontecimento que me enche de um enorme orgulho. O que não passava de um hobby de fim-de-semana, tornou-se em algo maior. Um sonho tornado realidade. Falo do meu marido, que viu finalmente o seu talento reconhecido enquanto designer de skins para carros virtuais. Agora o primeiro carro real com design inteiramente de sua autoria aqui está, um Ferrari 458 GTD, que irá correr amanhã ao vivo e a cores nas 24h de Daytona. Aqui ficam algumas imagens do resultado final... e digam lá que não ficou uma verdadeira beleza? Estou tão orgulhosa!

É da Praxe


Na Lusófona há meninos trajados como abutres que impedem colegas seus de falar com jornalistas. Nem quero saber se as mortes do Meco se ficaram a dever a um ritual idiota de humilhação e vassalagem; escolho deprimir-me antes com esta omertà manhosa que visa encobrir a vergonha, exorcizar a culpa, proteger a amada "tradição". 

Mas fazem bem, os meninos das capitas grotescas. Fazem bem em acalentar as praxes universitárias. Elas são, afinal, a melhor formação a que os nossos filhos se podem sujeitar; treino para viver num país em que a obediência redime, a cabeça baixa salva e a submissão leva à vitória.
Como na tropa, as praxes preparam para o campo de batalha. E para a obediência cega aos mais graduados. Mesmo que as ordens venham de alguém que só tem a sua burrice, a capacidade de chumbar resmas de anos como galões. Passando no teste, as vítimas poderão um dia, oh suprema felicidade!, vir a oprimir os seus próprios recrutas. 

Os meninos que mais aprendem com desfiles em trajes menores e excrementos besuntados na cara ficam prontos para altos voos. Prontos, por exemplo, para serem deputados de um partido que os obriga a votar de forma abjecta, contra a sua consciência. E nem sentem vergonha: proclamam ridículas declarações de voto com o ar contrito de soldados que se sacrificaram pelo bem do pelotão. Eles não queriam, ela até fugiu na hora H... mas nenhum ousa abandonar o "grupo" que os pôs a votar contra a decência que neles ainda sobrevive. Foram bem treinados. 

Um texto de Luís Rainha, o qual subscrevo e assino cada linha.

Amor Comum

Este ano os U2 ganharam o Golden Globe pela melhor música original (Ordinary Love) e Bono Vox dedicou-o a Nelson Mandela, um homem que escolheu não odiar, não porque não sentisse ódio ou raiva, mas por achar que o amor faria um trabalho melhor. Bonito, não?


We can't fall any further
If we can't feel ordinary love
We cannot reach any higher
If we can't deal with ordinary love

Seremos fortes o suficiente para lidar com o amor comum?
Mandela foi.

A Casa da Assenta


A casa da Assenta é um lugar encantado. Um mistério arrancado das páginas de um romance enigmático e inspirador. Aqui tudo é paz e serenidade. Até o mar bravio que fustiga a extensa falésia com a sua revolta, nos tranquiliza e acalma o espírito com a fúria da sua melodiosa imponência. O sopro do vento traz até nós um cheiro de vida e de sal. Uma brisa marinha que se dissolve suavemente, devolvendo no eco do seu silêncio, a essência de todos os seus mistérios à imensidão do mar. Sólida e plantada no topo das rochas, como se de rochas fosse feita, a casa da Assenta é hospitaleira e acolhedora como um terno abraço. Nostálgica como uma tarde de Inverno e solarenga como uma manhã de Verão.
Aqui o medo é levado pela espuma da maré e as dúvidas pelo sabor do vento. Aqui os dias passam devagar e as noites são como um bálsamo que nos acaricia a alma. Aqui a saudade só é grande na hora de ir embora, quando percorremos a sinuosa estrada de terra batida e vemos as suas paredes caiadas de branco fundirem-se no horizonte, como as asas de uma gaivota, cujo voo nos acompanha até perdermos o velho casario de vista, e sentimos imediatamente vontade de voltar, porque a casa da Assenta é um lugar encantado, onde tudo é paz e serenidade. Um lugar onde nos desejamos encontrar apenas para nos voltarmos a perder na calmaria dos seus segredos e nos deixarmos conquistar pelos seus aromas exóticos e apaziguadores.


Helga, in Lugares Imaginados

Eusébio (1942 - 2014)

Tive o prazer e o privilégio de o conhecer na década de 80. Homem humilde e de grande simpatia. Nunca o vi jogar, mas cresci a ouvir os relatos dos seus feitos e das suas glórias. Na última homenagem "sentiu-se" a ausência de Mourinho e Ronaldo. Descansa em paz grande Pantera Negra!


Havia nele a máxima tensão
Como um clássico ordenava a própria força, 
sabia a contenção e era explosão, 
havia nele o touro e havia a corça.

Não era só instinto, era ciência,
magia e teoria já só prática.
Havia nele a arte e a inteligência
do puro jogo e sua matemática.

Buscava o golo mais que golo: só palavra.
Abstracção. Ponto no espaço. Teorema.
Despido do supérfluo rematava
e então não era golo: era poema.

Manuel Alegre